Quasares: os Faróis no Litoral do Oceano Cósmico
Tão vasto quanto a imensidão do Espaço é o fascínio que as maravilhas do Universo provocam em nós humanos. Cada simples estrela, como o Sol por exemplo, é uma força ininterrupta de explosões termonucleares, moldando o cosmos há bilhões de anos. Imagine então, uma galáxia como a Via Láctea, um espetáculo de 400 bilhões de estrelas girando em torno de um buraco negro colossal. Até mesmo o gás e poeira das nebulosas, esculpidas por violentas explosões e ventos estelares, são capazes de revelar os mistérios ocultos do Espaço.
Mas neste espetáculo cósmico, nenhum objeto é mais fascinante e intrigante do que os poderosos quasares! Os quasares reúnem tudo que há de mais espetacular no Universo em um único objeto. Algo tão enigmático que os cientistas passaram décadas tentando decifrar o que eram aqueles estranhos objetos que eles estavam vendo, ou melhor, “ouvindo”…
Quasares são tão extraordinários, que só soubemos de sua existência graças a revolucionária invenção do rádio. Na década de 1950, os primeiros radiotelescópios varriam o céu, quando os astrônomos se depararam com algo surpreendente: “bolhas” no espaço emitindo intensas ondas de rádio. Contudo, ao direcionar os telescópios ópticos para a mesma região, não encontrava nenhum objeto correspondente. Era como se houvesse algo lá, discreto na luz visível, mas causando um verdadeiro “escândalo” no espectro de rádio.
Por muitos anos, a origem daqueles sinais de rádio permaneceu envolta em mistério, alimentando diversas especulações. Poderiam ser estrelas distantes, explosões de supernovas, ou mesmo transmissões de civilizações alienígenas avançadas? Essas e algumas outras explicações, até mais estranhas, foram consideradas até que em 1962, a Lua, nos ofereceu uma oportunidade única para começar a desvendar esse enigma. Pelo menos em parte…
Naquele ano, a Lua passaria em frente a uma daquelas intrigantes fontes de rádio, identificada como 3C 273. A partir do radiotelescópio Parkers, na Austrália, os britânicos John Bolton e Cyril Hazard registraram meticulosamente os momentos do desaparecimento e do ressurgimento do sinal de rádio durante a ocultação de 3C 273 pela Lua.

Isso permitiu que o astrônomo holandês Maarten Schmidt fizesse uma descoberta espetacular. Utilizando o grande Telescópio Hale do Monte Palomar, Schmidt conseguiu identificar opticamente o objeto. Entretanto, para a surpresa e frustração da comunidade astronômica, opticamente, aquela intensa fonte de rádio não era nada exuberante. Parecia apenas uma estrela distante, quase imperceptível aos telescópios.
Schmidt também utilizou os poderosos instrumentos do Hale para decompor a luz daquela estrela, obtendo seu espectro. E para intrigar ainda mais os cientistas, o espectro do objeto parecia diferente dos espectros de outras estrelas conhecidas. Por isso, esse misterioso objeto cósmico foi batizado com o nome de quasar, uma abreviação de “quasi-stellar radio source”, ou “fonte de rádio quase estelar”.
Aquela ocultação foi um passo fundamental na busca da compreensão da natureza dos quasares. Mas o 3C 273 não foi a primeira fonte de rádio associada a objetos observados opticamente. Dois anos antes, em 1960, os astrônomos americanos Allan Sandage e Thomas Matthews identificaram uma tênue estrela azulada na mesma posição da fonte de rádio 3C 48. Eles também identificaram um espectro anômalo, que desafiava a compreensão, mas que futuramente, teria semelhança com o espectro obtido por Maarten Schmidt em 62.

Ao se deparar com aquela anomalia no espectro, John Bolton propôs uma hipótese revolucionária: que a anomalia poderia ser explicada por um enorme desvio para o vermelho. Esse fenômeno já era conhecido na época e fundamentava a teoria de Edwin Hubble sobre a expansão do Universo. A premissa é simples: quanto mais distante um objeto está, mais rapidamente ele se afasta de nós, esticando as ondas luminosas e gerando um desvio para o vermelho em seu espectro.
Contudo, surgiu um dilema formidável. Os desvios para o vermelho observados nos quasares eram extraordinariamente grandes, sugerindo que esses objetos estavam se deslocando a velocidades surpreendentes e situados em regiões incrivelmente distantes, tanto no espaço quanto no tempo. Na época, isso não apenas desafiava nossa compreensão do tamanho e da idade do Universo, mas também nos questionava sobre como poderíamos enxergar algo tão distante. Embora aqueles objetos parecessem muito tênues à primeira vista, eram brilhantes demais para algo que estaria tão distante.
Bolton, no entanto, estava correto, e o que a Ciência nos revelou na sequência é que os quasares são ainda mais extraordinários do que as mais fantásticas hipóteses especuladas no início.

Os quasares, sem sombra de dúvidas, são os fenômenos mais energéticos já observados no Universo. Sua formação remonta aos primeiros bilhões de anos após o Big Bang, quando buracos negros colossais, com massas variando de milhões até bilhões de massas solares, “decidiram fazer um lanchinho”. Entretanto, saciar um monstro cósmico como esse não é uma tarefa fácil.
A descomunal força gravitacional desses buracos negros acelera toda a matéria circundante a velocidades próximas à da luz, dando origem a um gigantesco turbilhão conhecido como disco de acreção, cujo diâmetro pode variar desde o tamanho do nosso Sistema Solar até cerca de 1 ano-luz.
À medida que esse material se aproxima do buraco negro, as velocidades e temperaturas dos gases no disco de acreção atingem valores impressionantes, fazendo com que eles brilhem intensamente. Além disso, uma quantidade monstruosa de matéria e energia é ejetada no espaço na forma de jatos que emanam dos polos do buraco negro. Um único quasar pode alcançar luminosidades milhares de vezes superiores às de uma galáxia como a nossa Via Láctea.

Embora existam quasares mais próximos, possivelmente formados pela fusão de buracos negros supermassivos, a grande maioria desses objetos extraordinários é encontrada nos centros de algumas das primeiras galáxias formadas nos primórdios do Universo. Nesse período inicial, quando a matéria estava mais densamente concentrada, havia as condições ideais para o surgimento de objetos com massas tão excepcionais.
Dessa maneira, a maior parte dos quasares estão nos limites do Universo observável, e podem ser vistos como antigos faróis, que marcam o litoral do nosso vasto oceano cósmico. Por outro lado, são também como cápsulas do tempo, preservando evidências dos fantásticos eventos que moldaram os primórdios do Cosmos. Ao estudarmos esses intrigantes objetos, aprofundamos nosso entendimento sobre a formação e os limites do Universo.